Sobre o tempo e as coisas que passam
- André Grejio de Alencar
- 2 de mai. de 2022
- 2 min de leitura
Conto publicado na Antologia do XI CLIPP -
Concurso Literário de Presidente Prudente
- Isso confirma que tudo na vida... passa.
Encerrava assim, Damião, mais uma conversa. A frase, já conhecida por todos, era sempre o ponto final e, coincidência ou sabedoria dele ao escolher o momento exato de usar, realmente sempre encerrava bem. Mas, a verdade é que nem tudo passava na vida de Damião, uma vez que o tempo e a própria vida pareciam não querer passar. Noventa e oito anos, quatro casamentos, quatro vezes viúvo, netos, bisnetos e tataranetos impossíveis de se recordar, e lá estava ele.
Se, em alguns poucos momentos, a saúde parecia querer fugir, logo o corpo a enlaçava novamente e Damião seguia os dias. Os dedos enrugados pareciam os únicos a sentir a ação do tempo. Os dentes, assim como os amores, pelo caminho haviam ficado, mas Damião não se importava com as faltas e o sorriso continuava largo. Principalmente aos domingos, quando a casa se enchia. A eufórica alegria das crianças correndo. E parecia, para ele, que cada vez havia mais. A pedido de alguns - que também não conseguia recordar - elas lhe tomavam a benção e sentavam em seu colo. Ele sorria. Aquela ternura era como voltar ao início da jornada como se elas, as crianças, lhe doassem um pouco da vida que tinham pela frente. E ele se acriançava novamente. Não fosse o peso da idade e sairia correndo, imitando avião ou dançando alguma música já ultrapassada.
Mas, como tudo na vida passa, certo dia Damião se deu conta de todos que ficaram pelo caminho. Certa angústia apossou de seu ser. Com extrema dificuldade se recordou dos filhos, não sabia dizer se de todos, mas daqueles que conseguiu; quais ainda estavam vivos? Lembrou-se do cheiro que cada um deles tinha quando bebê.
Recordou também o nascimento dos primeiros netos, quanta alegria sentiu. Foi justamente no nascimento do primeiro que aprendeu que tudo na vida passa. Explico: no mesmo mês da chegada do filho do filho, o primeiro amor partiu para a viagem ao desconhecido. Ele, que passou dias chorando sem cessar, sorriu ao ver o pequeno de joelhos roxos, olhos claros e cheiro de tulipas amarelas.
Pouco tempo depois, vieram os outros, cada um com cheiro diferente. E uma nova amada. Novos filhos. Netos. Viagens. Desconhecidos. E lá estava ele, sentado na cadeira de balanços, pensando a vida, quando sorrisos e gritos de crianças começou a ouvir. Era domingo e não demorou muito para que a correria começasse, os abraços, as bênçãos, os colos; dessa vez, antes de qualquer conversa se iniciar, Damião disse: - "Isso confirma que tudo na vida... passa”.
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